
Os dados reais de quantas pessoas perderam suas vidas naquele dia, é uma incógnita, hoje dia 10 de fevereiro estima-se cerca de 240 mortes. Também ficaram hospitalizados cerca de 200 pessoas, decorrente da tragédia. Algumas pessoas já tiveram alta, outras continuam internadas.
A maior parte dos que foram hospitalizados foi devido a problemas respiratórios, causados pela inalação da fumaça tóxica.
Vários grupos de apoio se deslocaram de cidades vizinhas e também de outros estados para prestar assistência aos sobreviventes, familiares e profissionais, entre eles forças militares, bombeiros e área da saúde.
Eu, Margareth Labate, psicóloga, especialista em situações de emergência e crise e, mais 19 profissionais com a mesma capacitação, fazemos parte do Instituto Karunã, organização que presta atendimento gratuito às vítimas de eventos como estes, onde muitas pessoas e cidades são afetadas, nos deslocamos até Santa Maria, Rio Grande do Sul.
Chegamos em Porto Alegre por volta de 14 horas de quinta-feira, dia 31 de janeiro. Ainda no aeroporto, percebi a tristeza que rondava o lugar. Alugamos uma Van e um carro e partimos em direção à Santa Maria.
O dia estava ensolarado e fazia cerca de 35 graus, na beira da estrada, acampamentos indígenas marcavam a paisagem de um verde vibrante.
Uma parada para o almoço e uma faixa cobrindo a frente de uma casa dizia: “Luciana, sentiremos sua falta.”
De volta à estrada o sol escaldante anulava o ar condicionado nos forçando diversas vezes a abrir as janelas dos carros para refrescar o interior do automóvel.
Chegamos em Santa Maria por volta das 22 horas e fomos direto para o hotel, a cidade parecia vazia como se fosse uma madrugada de domingo.
Fizemos uma reunião para saber onde iríamos na manhã do dia seguinte, sexta-feira dia 1 de fevereiro. Distribuídos os lugares fiquei com o primeiro turno em um CAPS.
Primeiro dia de fevereiro.
Cheguei ao CAPS às seis horas da manhã, uma reunião para conhecermos os voluntários e saber o que já existia de estrutura para os atendimentos. O espaço para os atendimentos era acolhedor e a estrutura ainda estava sendo montada, o que é muito comum em situações de emergência e crise em lugares que nunca foram afetados.
Fomos bem recebidos pelos profissionais e também pelos moradores da cidade, e aos poucos fomos afinando a estrutura de atendimentos e encaminhamento de alguns casos que necessitavam de continuidade de atendimento.
Quem chegava era encaminhado para um dos psicólogos que os ouvia e determinava em qual circunstância aquela pessoa ou família se encontrava. Quando necessário eram feitos encaminhamentos para os médicos que lá estavam de plantão e no caso de continuidade as enfermeiras aplicavam as medicações.
O CAPS ficava de plantão 24 horas por dia e um rodízio de profissionais foi criado para preservar a saúde e o descanso de todos.
Vários rituais de homenagem e despedida foram criados na cidade, pelos parentes, amigos e por conhecidos das vítimas da tragédia. Esses rituais são de suma importância para elaboração da situação traumática que se apresentava desde então.
Segundo dia de fevereiro.
Era sábado, e o plantão do CAPS e também da Universidade Federal que estávamos fazendo já havia sido bem divulgado e muitas pessoas procuravam ajuda. Neste dia dobrei meu turno de atendimento, e minhas colegas que estavam na Universidade também trabalharam bem mais.
Éramos procurados não somente por vítimas sobreviventes, mas, também, por aqueles que haviam perdido seus entes queridos. Também era comum a procura por aqueles que não haviam acompanhado os amigos a festa daquela noite.
Profissionais que estavam trabalhando nos hospitais no dia da tragédia, como por exemplo cuidadores.
A cidade estava em pânico! E já era de se esperar. Depois de muitos atendimentos feitos e com a certeza de que conseguimos confortar mas também impedir que o trauma fosse instaurado em vários indivíduos, fui participar da vigília que se seguiu de uma missa.
Esta de colete laranja e mão na cabeça do senhor ao chão, sou eu.

Terceiro dia de fevereiro.
Ainda na madrugada, durante a vigília, ouvi algo de uma repórter que estava no local que me chamou muita atenção.
“Aqui tem muita gente, mas o que mais chama atenção, é o silêncio."
Pura verdade, um silêncio que gritava, e que era esmagador.
De repente um choro que ardia na alma, um senhor que havia perdido muitos amigos. Mais um som que quebrava o silêncio, uma garotinha que havia perdido a irmã, ela soluçava e chamava o nome da irmã.
Choramos todos...
Um luto sem fim, era o que parecia, a cada dia tínhamos a notícia de mais um ou mais uma que deixava seus entes, eles estavam nos hospitais.
Na manhã do domingo outra missa e a cidade vazia. Todos estavam onde havia uma homenagem, uma missa ou um protesto.
Santa Maria estava de...
No CAPS, muitos pais preocupados com os filhos que haviam sobrevivido, o medo de que algo acontecesse novamente pairava no ar.
A culpa também estava presente em muitas queixas clínicas, assim como a raiva. Todos sentimentos esperados no processo de luto.
Mas é isto, o luto é um processo e demora para acabar, principalmente para aqueles que ainda temem a morte de seus outros entes ou amigos.
Um esquema também para atender os cuidadores fazia parte da rede de atendimentos do CAPS, todos estavam atentos para minimizar a dor e as consequências desta tragédia.
Quarto dia de fevereiro, segunda-feira.
Na madrugada de segunda não haviam mais busca por atendimentos. Ainda havia procura durante o dia e a noite.
Termino este diário dizendo que muito foi feito, mas infelizmente não o suficiente. Não somos heróis! Mas demos o nosso melhor.

Equipe SOS Religar
Post relacionado: Notícias de SANTA MARIA-Por Margareth Labate
0 comentários :
Postar um comentário